terça-feira, 27 de março de 2012

Visibilidade transgênero no Brasil

Pro Jaqueline Gomes de Jesus
Correio Braziliense - 18/01/2012

Em 29 de janeiro é comemorado em todo o Brasil o Dia da Visibilidade de Travestis e Transexuais, reconhecido por organizações sociais e representações do governo federal, como o Ministério da Saúde — que em 2004 lançou a campanha nacional Travesti e Respeito, a fim de promover o respeito à sua condição.

Apesar de haver pessoas transexuais nos diferentes espaços sociais, políticos, técnicos ou acadêmicos, a sua visibilidade, nos meios de comunicação em particular, é concentrada no aspecto marginal ou criminal, e pouco no cotidiano e demandas.

Pessoas transgênero (travestis ou transexuais) que buscam legalmente adequar o seu registro civil ao nome e ao gênero com o qual se identificam encontram obstáculos desumanizadores, sendo em geral demandadas, mesmo as que não desejam, a se submeterem a arriscadas cirurgias de redesignição genital para que lhes seja concedido o direito fundamental à identidade. Isso, além de ser uma violência institucional, é uma prática eugenista de esterilização forçada contra um grupo populacional, em pleno século 21.

O pequeno espaço conquistado por homens transexuais (pessoas que reivindicam o reconhecimento legal e social como homens) e mulheres transexuais (pessoas que reivindicam o reconhecimento legal e social como mulheres) é fruto de mobilização, geralmente individual, pelo mínimo respeito a suas especificidades e direitos fundamentais.

Esse não é um detalhe qualquer, e também não é suficiente para melhorar as condições do grupo. A sociedade em que vivemos dissemina a crença de que os órgãos genitais definem se uma pessoa será homem ou mulher. Porém, essa construção do sexo não é um fato biológico, é social.

Para a ciência biológica, o que determina o sexo de uma pessoa é o tamanho das suas células reprodutivas (pequenas — espermatozoides —, macho; grandes — óvulos —, fêmea), e só. Biologicamente, isso não define o comportamento masculino ou feminino das pessoas: o que faz isso é a cultura, a qual define alguém como masculino ou feminino, e isso muda de acordo com a cultura de que falamos.

Mulheres de países nórdicos têm características que para nossa cultura são tidas como masculinas. Ser masculino no Brasil é diferente do que é ser masculino no Japão ou mesmo na Argentina. Há culturas para as quais não é o órgão genital que define o sexo. Ser masculino ou feminino, homem ou mulher, é uma questão de gênero. Logo, o conceito que importa para entendermos homens e mulheres é o de gênero.

Muito ainda tem de ser enfrentado para se chegar a um mínimo de dignidade e respeito à identidade das pessoas transexuais, que vai além dos estereótipos.

No que especificamente se refere às mulheres transexuais, não há informação oficial de como órgãos públicos que representam as mulheres, como secretarias, seja em nível federal ou local, têm-se articulado para pensar e tentar auxiliar essas mulheres no que envolve a possibilidade de serem atendidas nas delegacias especializadas; a proteção pela Lei Maria da Penha; o respeito à sua identificação no trabalho e em outros espaços.

Em termos de comunicação de massa, não seria útil uma campanha defendendo o direito de todas as mulheres, biológicas ou não, à dignidade e a serem respeitadas como mulheres? Essa é uma grande preocupação das mulheres transexuais, que tantas vezes sofrem por não serem tratadas como mulheres.

Falando brevemente sobre ações do governo federal, que subscreve o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, observa-se a necessidade de se aprofundar o cumprimento da Portaria nº 233/2010, do Ministério do Planejamento, que adotou o nome social de servidores públicos federais travestis e transexuais, entretanto não foi implementada por alguns órgãos.

Nota-se também que o formato do novo documento de identidade, o Registro de Identidade Civil (RIC), expõe o sexo das pessoas. Isso não existe no atual RG.

O RIC não usa o conceito de gênero, mas o de sexo. O problema é que esse documento, na forma como se encontra, causará maior sofrimento do que o atual RG, para todas as pessoas travestis e transexuais que não conseguiram adequar seus documentos ao gênero com o qual se identificam.

São muitos os desafios para que as pessoas transgênero sejam consideradas humanas, quiçá cidadãs e cidadãos, neste país.

Jaqueline Gomes de Jesus é psicóloga e doutora em psicologia social e do trabalho pela Universidade de Brasília (UnB).

sexta-feira, 9 de março de 2012

Somos múltiplos e chegamos para ficar!


Sexualidades múltiplas são aquelas que não param de se diferenciar porque ali, onde um desejo parecia ser definitivo, ele novamente se diferencia construindo novos repertórios, novos modos de ser e, principalmente, uma nova batalha.
                                                
                                                 “Maria Sapatão, sapatão, sapatão
De dia é Maria, de noite é João”...

Essas sexualidades não querem se deixar capturar pela estabilidade aparente de um só jeito de ser feminino e masculino. Seus sexos ultrapassam seus corpos, envergando-se sobre si e formando outro, parindo outras sexualidades. Algumas têm nome, identidade, por vezes até um gênero inteligível. Outras um modo queer. O que mais importa é que a sexualidade vai assim se construindo em meio às lutas- coerções e resistências.

“Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é, será que ele é?”

Estão na pista produzindo territórios e os desfazendo assim que uma comoção louca zoa lá nos tímpanos chamando-as para a construção autônoma das normas. Com a navalha na liga cortam a biopolítica deixando sangrar uma "bio-felicidade” que modifica as condições das próprias definições.

“Precisou correr
Uma vida pra entender
Que ele era assim
Um comum de dois”

Compreendemo-nos múltiplos, homens ou mulheres em variações e versões. Pontiagudos. Afiadas. Ousados. Oblíquas até demais.

“E hoje vai sair
Com a melhor lingerie
Não pra afrontar
só quer se divertir

Mas ele afrontou
Provocou
Assombrou
Incomodou

E ele nem ligou”...

Este festival é nosso. Provocaremos as multiplicidades e, da rigidez ordinária da Universidade, os armários despejarão paetês, penas, atabaques, trevos e patuás. Somos baianxs múltiplos e viemos para ficar.
Axé !

Kiki Givigi – Coordenadora do Núcleo de Gênero, Diversidade Sexual e Educação da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia [UFRB]